Bem tentei, mas aflijo-me quando tenho de falar do "ser humano" em termos de "capital". Embora sorria no dia-a-dia com as metáforas que a nossa saúde mental e física vai exigindo, entristeço por reflectir o presente, no presente (as emoções gostam da rudeza das palavras e só os sentimentos, mais constantes e fortalecidos pelo tempo, nos ajudam a generosidade possível da linguagem).
Tudo começou pela leitura do jornal, de manhã, e acabei por andar todo o dia a distrair a dificuldade que sinto em falar sobre estes assuntos. Em conclusão, fui à net e só aliviei um pouco depois de "postar" a Natália Correia e a sua (nossa, também! Obrigada, Natália...) "Queixa das Almas Jovens Censuradas".
(N. B. A ver se não me esqueço de dar espaços no poema, para separar as estrofes... Agora, é melhor ir jantar!...)
"Por cá, aliás, como diria Manuel Larangeira, um grande intelectual português da transição do século XIX, o pensamento representa já um capital negativo e a inteligência um capital inútil. Pois é...
Eduardo Dâmaso, Director-Adjunto" (do Correio da Manhã, 20 /10/2008; cores nossas)
Eduardo Dâmaso, Director-Adjunto" (do Correio da Manhã, 20 /10/2008; cores nossas)
QUEIXA DAS ALMAS JOVENS CENSURADAS
Dão-nos um lírio e um canivete
Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.
Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.
Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.
Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.
Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.
Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.
Temos fantasmas tão educados
Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.
Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.
Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.
Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.
Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.
Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida.
Nem é a morte.
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Natália Correia In “Dimensão Encontrada”
A inteligência, se bem utilizada, é o melhor e maior capital. Mas tem duas faces, como quase tudo na vida! Mais uma vez foram algumas inteligências pouco escrupulosas, para ser simpático, que nos levaram à crise financeira actual. Mas quero crer que há inteligência suficiente, ponderada... para repor alguma lógica no capitalismo. Oxalá! Luis
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