Pesquisar neste blogue

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Capital (ismo) humano ?



Bem tentei, mas aflijo-me quando tenho de falar do "ser humano" em termos de "capital". Embora sorria no dia-a-dia com as metáforas que a nossa saúde mental e física vai exigindo, entristeço por reflectir o presente, no presente (as emoções gostam da rudeza das palavras e só os sentimentos, mais constantes e fortalecidos pelo tempo, nos ajudam a generosidade possível da linguagem).

Tudo começou pela leitura do jornal, de manhã, e acabei por andar todo o dia a distrair a dificuldade que sinto em falar sobre estes assuntos. Em conclusão, fui à net e só aliviei um pouco depois de "postar" a Natália Correia e a sua (nossa, também! Obrigada, Natália...) "Queixa das Almas Jovens Censuradas".

(N. B. A ver se não me esqueço de dar espaços no poema, para separar as estrofes... Agora, é melhor ir jantar!...)


"Por cá, aliás, como diria Manuel Larangeira, um grande intelectual português da transição do século XIX, o pensamento representa já um capital negativo e a inteligência um capital inútil. Pois é...
Eduardo Dâmaso, Director-Adjunto" (do Correio da Manhã, 20 /10/2008; cores nossas)




QUEIXA DAS ALMAS JOVENS CENSURADAS

Dão-nos um lírio e um canivete

E uma alma para ir à escola

E um letreiro que promete

Raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário

Que tem a forma duma cidade

Mais um relógio e um calendário

Onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim

Para dar corda à nossa ausência.

Dão-nos o prémio de ser assim

Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu

Para tirarmos o retrato.

Dão-nos bilhetes para o céu

Levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos

Com as cabeleiras dos avós

Para jamais nos parecermos

Connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é a história

Da nossa história sem enredo

E não nos soa na memória

Outra palavra para o medo.
Temos fantasmas tão educados

Que adormecemos no seu ombro

Sonos vazios, despovoados

De personagens do assombro.

Dão-nos a capa do evangelho

E um pacote de tabaco.

Dão-nos um pente e um espelho

Para pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça

E uma cabeça presa à cintura

Para que o corpo não pareça

A forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro

Com embutidos de diamante

Para organizar já o enterro

Do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal,

Um avião e um violino.

Mas não nos dão o animal

Que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão

Com carimbo no passaporte.

Por isso a nossa dimensão

Não é a vida.

Nem é a morte.
.

Natália Correia In “Dimensão Encontrada”

1 comentário:

  1. A inteligência, se bem utilizada, é o melhor e maior capital. Mas tem duas faces, como quase tudo na vida! Mais uma vez foram algumas inteligências pouco escrupulosas, para ser simpático, que nos levaram à crise financeira actual. Mas quero crer que há inteligência suficiente, ponderada... para repor alguma lógica no capitalismo. Oxalá! Luis

    ResponderEliminar