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terça-feira, 10 de junho de 2008


História Tragico-poética

Lá vem a Nau Catrineta
que cansada ela nos vem!
Traz o destino na proa
Condu-la Senhora Mãe.

Pelos altos mares sem fundo
a proa encostou à ré.
Foi-se embora a alegria
das gentes, mas não a fé.
Eram tantas as tormentas
tão eriçadas as pontas
das ondas fragosas e imensas
que as gentes de Portugal
se despediam em silêncio
da vida e do sonho novo
que, na faina e na labuta,
os fizera percorrer
o caminho dos Infernos.

Foram muitos condenados
às vagas pelas galés.
Nelas foram sepultados
Sepúlveda e outras marés
do azar mítico português.
Nelas se foram os sonhos
de Dinis e do Infante
que à proa do olhar seu
outro destino sonharam
pr’às gentes do meu país.
Quis a molesta sorte deles
que nos mares desencontrados
dos sonhos por realizar
se avistassem com o Dragão,
pesadelo da Nação
de aquém e de além-mar.


Foi triste e cinzenta a noite
em que no mastro da fome
se eriçou Belzebu
contra o grande capitão
da grã-nau desta nação.
Contra ele se sorri
e se desfaz em promessas:
“Por ti, ó grão marinheiro,
eu vim cá com o meu parceiro;
trago-te a fama e o raio
que poderás desferir
sobre uma nação inteira
que à morte te condenou.
Trago-te ondas de riqueza,
malvasias de ventinhos
e, se quiseres, carneirinhos
que semearei nas ondas...
Tudo p’ra ti e p’ra sempre...”

Mais falara Belzebu,
se ao grande capitão
da nau que se esmorecia,
não regressasse a valentia
do seu nobre coração:
“A ti conheço, maldito!
A alma que aqui não pedes
É o que queres para ti...
Mas só ela me conduz.
E pelo amor que me trouxe
e connosco viajou,
eu te acrescento a lonjura
das gentes do meu país.
As garras aqui não pões,
porque à proa desta barca,
tu não mais terás poder.
Consagrada no areal,
a alma que aqui remámos
há um nome: Portugal!”

Retorce-se o medo imundo
pelos mares que já não há.
Foram sonhos de outras épocas...
Gente que já cá não está...
Mas fomos todos irmãos
e senhores desta Nação.
Pelas mulheres que rezaram
e nossos filhos geraram,
pelas praias do país,
cuja alma defendemos,
todos regressámos, todos,
- mais mortos que vivos já -,
mas à Nação Portuguesa,
despejados do terror,
aportámos e sonhámos
um novo destino ainda...
Na barca desta Nação
em cuja proa a Senhora
navegou até à praia,
todos chegámos, vencidos
de amor de nós e da Pátria,
prontos e restabelecidos
dos vendavais que passaram.
A brisa que a nós nos traz
as memórias de lonjura
da Mãe que nos conduziu
pelas águas, até aqui,
nos é ainda memória
do gesto de amor derradeiro
com que despedimos a morte
e o destino traiçoeiro.

Mas dos mares do passado
que nos sepultou heróis,
guardamos a arma do crime:
no mastro alto do sonho
da vida que nossa foi,
capitães houve, depois,
que ao destino entregaram
a alma que ele não tem.
Verbo consagrado em si
e em si próprio encerrado
nas masmorras de um país
que, nas vagas alterosas
de um sonho que quis cumprir,
acabou por não florir...

Vozes da Terra e do Céu
não chegaram ao Horizonte
do Setestrelo da Sorte...
Foram homens e mulheres.
Geraram filhos humanos.
Serviram com o seu desdém
o ultraje a um desgoverno
que, impotente e ultrajado,
se considerou magoado
e se vendeu ao estrangeiro.

Fomos por dentro de nós.
Navegámos à bolina
com a sorte que a brisa traz...
Não tem armas Belzebu
para aqui retroceder.
Não há morte, nem há guerra,
nem o país arderá
no inferno que aqui traz
o espírito santo da tropa
estrangeira a esta Nação.
Se somos todos irmãos,
almas em amor consagradas,
é porque os ventos da sorte
nos quiseram bafejar
com a alegria e a inveja
da Alma que aqui floresce.

Foi em Abril o condado
sonhado, aqui, traiçoeiro,
não foi, não, o estrangeiro
que nos repariu o Cruzado...
Fomos nós, também, mulheres,
que, na praia, abandonadas,
quisémos o mastro e o leme
da barca do nosso Amor
fazer navegar de novo...
Somos mulheres traiçoeiras,
diz o povo, e sem razão,
pois lhes doamos os filhos
que à Nação e não à Estranja
lhes pode trazer a bênção.

São os acasos da Sorte
da gente do meu país:
fracassos, derrotas... memórias
de outro tempo feliz!
À proa da Barca a Senhora,
Alma-Mãe desta Nação,
se entregou o nosso sonho
e o valoroso capitão
da nossa Nau Catrineta
que, no momento da sorte,
soube encontrar o seu Norte:
“Seja o Amor o meu fado
e sempre o possa eu cantar!...”

E a alma da Nação
no dia seguinte, a varar...

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